SUMÁRIO
A décima sexta edição do boletim mensal de Previsão de Impactos em Atividades Estratégicas para o Brasil, elaborado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), unidade de pesquisa do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), apresenta os cenários mais prováveis de impactos em diferentes setores produtivos do Brasil. Isso inclui o diagnóstico (Janeiro/2020) e projeção (Fevereiro/2020) do Índice Integrado de Seca (IIS) para todo o Brasil, avaliação dos impactos da seca na agricultura familiar de sequeiro e previsão de impactos nos recursos hídricos para o trimestre fevereiro-março-abril de 2020 (FMA 2020). Em particular, são abordadas a situação atual e as projeções de vazões afluentes aos reservatórios do Sistema Cantareira, Três Marias e Serra da Mesa, bem como os possíveis cenários para os volumes armazenados nos açudes monitorados pelo centro, no semiárido da Região Nordeste: Castanhão e Boqueirão, e do Rio Madeira na região Norte do país, no decorrer do referido trimestre.
A situação de armazenamento no Sistema Cantareira em 31 de janeiro de 2020 (45,7%) é melhor quando comparada à situação do ano anterior (43,3%). Em um cenário hipotético de chuvas na média climatológica, o modelo hidrológico projeta uma vazão afluente inferior à Média de Longo Termo (MLT[1]) no próximo trimestre (80% da MLT). Considerando este mesmo cenário hipotético de chuvas, o armazenamento no final de abril de 2020 ficaria em torno de 59%, enquadrando-se na faixa de operação “atenção” (entre 40-60%), situação semelhante em comparação ao mesmo período do ano anterior (59% de armazenamento). Para as bacias afluentes aos reservatórios de Três Marias e Serra da Mesa, o modelo hidrológico projeta uma vazão em torno de 135% e 77% da MLT, respectivamente, situação mais otimista em comparação ao trimestre FMA de 2019 (65% e 66% da MLT, respectivamente). As projeções para o reservatório de Castanhão, no Ceará, indicam que o volume armazenado pode atingir, aproximadamente, 4,4% de sua capacidade no final de abril de 2020, situação mais crítica comparada ao mesmo período de 2019 (5,4%). No reservatório Epitácio Pessoa/Boqueirão, na Paraíba, mantendo-se as extrações atuais e a suspensão dos aportes da transposição do Rio São Francisco, as projeções indicam manutenção no armazenamento de água em torno de 22% de sua capacidade no final de abril de 2020, configurando uma situação mais crítica em relação ao mesmo período de 2019 (26%).
O IIS referente ao mês de janeiro aponta intensificação das condições de seca, principalmente na Região Centro-Oeste do país. Na Região Nordeste, as condições são de seca moderada à extrema no interior dos estados da Bahia, Pernambuco e Piauí. Ambos os cenários do IIS para o mês de fevereiro (com chuva 30% abaixo e 30% acima da média) indicam condições de seca fraca à severa no sul do Pará, interior do Bahia e Pernambuco e norte do Mato Grosso. A persistência das condições de seca, principalmente no interior da Bahia e Pernambuco, poderá causar queda na produção agrícola de sequeiro na região.
[1] A sigla MLT significa Média de Longo Termo ou, em outras palavras, média que representa a situação observada por longo período, geralmente igual ou maior que 30 anos.
IMPACTOS EM HIDROLOGIA
Evolução do Armazenamento no Sistema Cantareira
O Sistema Cantareira – sistema que abastece parte da região metropolitana de São Paulo – atingiu 45,7% de seu volume útil em 31 de janeiro de 2020 (Figura 1), valor superior ao observado em 31 de janeiro de 2019 (43,3%). A vazão média afluente aos reservatórios do Sistema Cantareira foi de 40,5 m³/s, representando 60% da média para janeiro (68 m3/s). Nesta bacia, a precipitação foi 206 mm em janeiro de 2020, correspondente a 77% da climatologia (1983-2019: 267 mm). Em um cenário hipotético de chuvas na média climatológica, o modelo hidrológico PDM/Cemaden[2] projeta que a vazão afluente média para o trimestre FMA de 2020 será em torno de 80% da MLT (56 m3/s). Ainda considerando este mesmo cenário de chuvas e a interligação com a bacia do rio Paraíba do Sul, o volume útil armazenado poderá atingir valores em torno de 59% em 30 de abril de 2020, situação semelhante quando comparada ao mês de abril de 2019 (59% de armazenamento). Com este nível de armazenamento, a extração de água máxima permitida para o elevatório Santa Inês é de 31 m³/s (faixa de atenção). Para maiores informações, consulte o Boletim da Situação atual e projeção hidrológica para o Sistema Cantareira – Fevereiro de 2020 (https://www2.cemaden.gov.br/situacao-atual-e-projecao-hidrologica-para-o-sistema-cantareira-31012020/).
[2] O PDM/Cemaden é um modelo probabilístico baseado na umidade do solo e utiliza como entradas a precipitação e a evapotranspiração potencial para estimar a vazão.
Reservatório de Três Marias, Bacia do Rio São Francisco
Na bacia de Três Marias, no alto São Francisco, a precipitação foi de 391 mm em janeiro de 2020, correspondente a 46% acima da média climatológica (1983-2019: 267 mm). A vazão média afluente nesta bacia atingiu o valor de 1076 m³/s, aproximadamente, 77% da média para o mês de janeiro (1399 m3/s). O armazenamento na bacia de Três Marias atingiu 72% em 02 de fevereiro de 2020, valor superior ao mesmo período de 2019 (57%). De acordo com as projeções hidrológicas para o período de FMA de 2020, apresentadas na Figura 2, em um cenário hipotético de chuvas na média climatológica, a vazão afluente poderá atingir cerca de 35% acima da média histórica (995 m³/s), sendo essa situação mais favorável em comparação ao trimestre FMA de 2019 (65% da MLT). Adicionalmente, em um cenário de precipitação na média climatológica e considerando uma vazão defluente igual a 300 m³/s, o reservatório poderá atingir valores acima de 100% do volume útil no final de abril de 2020. Maiores informações podem ser encontrados no Boletim da Situação Atual e Projeção Hidrológica para o Reservatório Três Marias – Fevereiro de 2020 (https://www2.cemaden.gov.br/situacao-atual-e-projecao-hidrologica-para-reservatorio-tres-marias-03022020/).
Reservatório de Serra da Mesa, Sistema Araguaia-Tocantins
Na bacia afluente a usina hidrelétrica Serra da Mesa, em janeiro de 2020, a precipitação foi 344 mm, correspondente a 37% acima da média climatológica (1983-2019: 251 mm). A vazão média afluente ao reservatório de Serra da Mesa, no alto do Rio Tocantins, foi 797 m³/s, aproximadamente 64% da média histórica para o mês de janeiro (1236 m3/s). Segundo as projeções hidrológicas para o período FMA de 2020, apresentadas na Figura 3, em um cenário hipotético de chuvas na média climatológica, a vazão afluente ficará em torno de 77% (893 m³/s) da média histórica (1162 m³/s), situação mais favorável que no trimestre FMA de 2019 (66% da MLT). Considerando um cenário de chuvas na média climatológica para o próximo trimestre e considerando uma vazão defluente igual a 300 m³/s, o reservatório poderá atingir 21% do volume útil no final de abril de 2020. Maiores informações podem ser encontrados no Boletim da Situação Atual e Projeção Hidrológica para o Reservatório Serra da Mesa – Fevereiro de 2020 (https://www2.cemaden.gov.br/situacao-atual-e-projecao-hidrologica-para-o-reservatorio-de-serra-da-mesa-bacia-do-rio-tocantins-03022020/).
Projeções das Reservas Hídricas de Açudes Monitorados do Semiárido Brasileiro
O açude Castanhão (Ceará), o maior da Região Nordeste, operou no dia 3 de fevereiro de 2020 com apenas 2,5% de seu volume útil (Figura 4), situação mais crítica quando comparada ao mesmo período de 2019 (3,7%). As projeções considerando um cenário hipotético de chuvas na média climatológica indicam que o volume armazenado nesse reservatório, poderá aumentar para até 4,4% de sua capacidade no final de abril de 2020, configurando uma situação mais crítica ao mesmo período de 2019 (5,4%). Ressalta-se que esta simulação não considera eventuais armazenamentos em açudes menores na sua bacia de captação, o que pode alterar a presente simulação.
O açude Epitácio Pessoa/Boqueirão (Paraíba) operou com 22% de seu volume útil no dia 04 de fevereiro de 2020 (Figura 5), situação semelhante ao mesmo período de 2019 (21%). As projeções indicam que, mantendo-se as extrações atuais e a suspensão dos aportes da transposição do Rio São Francisco, o armazenamento de água manterá-se em torno de 22% de sua capacidade no final de abril de 2020, configurando uma situação mais crítica em relação ao mesmo período de 2019 (26%). Ressalta-se que estes cenários podem ser alterados devido a mudanças na vazão da transposição e/ou na extração de água para o abastecimento público. A transposição das águas do rio São Francisco para o Estado da Paraíba, pelo eixo leste, foi temporariamente suspensa desde abril de 2018 devido a obras realizadas nos reservatórios de Camalaú e Poções, havendo retornado seu funcionamento em novembro de 2019, mas ainda sem influenciar o reservatório Epitácio Pessoa/Boqueirão. Em um eventual cenário de precipitações na média climatológica para o próximo trimestre, considerando os aportes da transposição do Rio São Francisco, o volume armazenado no reservatório Epitácio Pessoa/Boqueirão aumentaria para 27% de sua capacidade total (Figura 5).
Previsões de vazão para a Bacia do Madeira
O rio Madeira encontra-se ligeiramente abaixo do nível de transbordamento em Porto Velho. As previsões dos modelos numéricos (meteorológicos e de chuva-vazão acoplados) indicam a possibilidade de um pico de vazão para os próximos dias, embora sem ultrapassar o volume esperado para essa época do ano (Figura 6), como já ocorreu em fevereiro e março de 2019. Ainda na Figura 6, ressalta-se que os máximos de vazão observados em janeiro de 2020, que ultrapassaram os níveis climatológicos da região, já eram previstos pelo modelo. Entretanto, para os próximos três meses o volume de vazão deve ocorrer dentro da média e a partir do final de abril, terá início o período de vazante decorrente do declínio do período chuvoso na região.
IMPACTOS NA VEGETAÇÃO E AGRICULTURA DE SEQUEIRO
Índice Integrado de Seca (IIS): observado para o mês de janeiro de 2020 e projeção para o mês de fevereiro de 2020 em todo o Brasil
De acordo com o Índice Integrado de seca (IIS) para o mês de janeiro (Figura 7a), verifica-se a desintensificação das condições de seca na região semiárida, porém, ainda em regiões isoladas com quadro de seca fraca a extrema, principalmente no interior da Bahia, Pernambuco e Piauí. Destaca-se também a intensificação das secas no Estado do Mato Grosso e no leste da Região Sul. No Estado do Rio Grande do Sul, as condições de seca atuantes até o mês de janeiro causaram prejuízos à agricultura, em especial, às lavouras de soja e milho. Dessa forma, a expectativa inicial de que a produção destes grãos na atual safra seria superior à da safra anterior tem sido substituída pela expectativa de perdas no rendimento destas culturas, conforme informações da Emater/RS-Ascar.
O cenário do IIS para o mês de fevereiro de 2020, considerando chuvas 30% abaixo da média (Figura 7b), em geral, indica condições semelhantes às de janeiro. De acordo com o cenário, devem ser mantidas condições de secas fraca à extrema no semiárido, fraca à moderada em grande parte da Região Centro-Oeste e severa em alguns munícipios na porção leste da Região Sul. O cenário do IIS, considerando chuvas 30% acima da média (Figura 7c), aponta para uma atenuação das condições de seca em grande parte do país.
Impactos da seca na produção agrícola de sequeiro
Segundo as projeções do IIS para o mês de fevereiro/2020 – que considera dados atualizados de sensoriamento remoto e projeções de chuva – em um cenário com chuva 30% inferior à média histórica (Figura 8), 276 municípios na região do semiárido, devem apresentar condições de seca moderada, 30 municípios condição de seca severa e 1 município de seca extrema. A maioria destes municípios está localizado no interior da Bahia e Pernambuco e sul do Piauí. Se tais condições se confirmarem para o mês de fevereiro, tais municípios poderão registrar queda na produção agrícola de sequeiro, uma vez que estes se encontram no período crítico para o crescimento das culturas.
NOTAS EXPLICATIVAS
Índice Integrado de Seca (IIS)
O Índice Integrado de Seca (IIS) consiste na combinação do Índice de Precipitação Padronizada (SPI) com o Índice de Suprimento de Água para a Vegetação (VSWI) ou com o Índice de Saúde da Vegetação (VHI), ambos estimados por sensoriamento remoto. O SPI é um índice amplamente utilizado para detectar a seca meteorológica em diversas escalas temporais e pode ser interpretado como o número de desvios padrões nos quais a observação se afasta da média climatológica. Um valor negativo de SPI representa condições de déficit hídrico, nas quais a precipitação é inferior à média climatológica. Um valor positivo de SPI representa condições de excesso hídrico, que indicam precipitação superior à média histórica. Para integrar o IIS, o SPI é calculado a partir de dados observacionais de precipitação disponíveis no CEMADEN, no Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e Centros Estaduais de Meteorologia.
Para a compilação do IIS, os dados de SPIs, na escala de 6 meses, e o VSWI ou VHI são reclassificados e compatibilizados de forma que as classes de ambos os índices traduzam as mesmas intensidades de seca, as quais variam de fraca à excepcional. O IIS é calculado mensalmente e apresentado com diferentes classes para as intensidades de seca.
Índice de Suprimento de Água para a vegetação (VSWI)
O VSWI é calculado a partir do Índice de Vegetação da Diferença Normalizada (NDVI, sigla em inglês) e da temperatura da superfície, ambos do sensor MODIS a bordo dos satélites Terra e Aqua, disponibilizadas pelo Earth Observing System (EOS/NASA). O VSWI indica condição de seca quando o valor do NDVI é baixo (baixa atividade fotossintética) e a temperatura da vegetação é alta (estresse hídrico). Portanto, o índice é inversamente proporcional ao conteúdo de umidade do solo e fornece uma indicação indireta do suprimento de água para a vegetação.
Índice de Saúde da Vegetação (VHI)
O VHI é calculado a partir do Índice de Condição da Vegetação (VCI) e do Índice da Condição da Temperatura (TCI). O VCI é a normalização do NDVI, utilizado para avaliar a densidade da vegetação em relação às condições padrões, permitindo verificar a variabilidade espacial e temporal das condições da vegetação, assim como quantificar o impacto dos eventos extremos. O TCI é considerado um indicador de estresse térmico. A umidade do solo é reduzida em um evento de seca, causando estresse térmico na vegetação. O TCI permite identificar mudanças sutis na saúde da vegetação devido a efeitos térmicos. À medida que a seca se intensifica, a umidade do solo é reduzida causando o aumento da temperatura de brilho.
Coordenador Responsável: José A. Marengo
Revisor Científico desta Edição: Adriana Cuartas
Colaboradores: Adriana Cuartas, Ana Paula Cunha, Ana Paula dos Santos, Conrado Rudorff, Daniela França, Elisângela Broedel, Fabiani Bender, Karinne Deusdará-Leal, Lidiane Costa, Marcelo Seluchi, Marcelo Zeri, Márcio Moraes, Tiago Fernandes, Valesca Fernandes, Vinicius Sperling
1. Os relatórios com informações mais detalhadas sobre a situação atual das principais reservas hídricas e condições de seca em todo o País, bem como as projeções hidrológicas e possíveis cenários de impactos da seca, encontram-se disponíveis e atualizados no Website do Cemaden (https://www2.cemaden.gov.br).
2. As informações/produtos apresentados não podem ser usados para fins comerciais, copiados integral ou parcialmente para a reprodução em meios de divulgação, sem a expressa autorização do Cemaden/MCTIC e dos demais órgãos com os quais o Cemaden mantém parcerias. Os usuários deverão sempre mencionar a fonte das informações/dados da instituição como sendo do Cemaden/MCTIC. Ressaltamos que a geração e a divulgação das informações/produtos consideram critérios de qualidade e consistência dos dados.
3. Registramos, ainda, que os dados da rede de monitoramento de desastres naturais disponibilizados via Mapa Interativo no website do Cemaden não passaram por nenhum tratamento, portanto poderá haver inconsistências nesses dados.