O processo de desmatamento para uso da terra – resultando em recortes e fragmentação da paisagem florestal – altera o microclima local e diminui a capacidade das florestas em estocar carbono. Cientistas estimam que, entre 2001 e 2015, a Amazônia perdeu 947 milhões de toneladas de carbono pelo efeito de borda, ou seja, através da mortalidade de árvores que ficam na fronteira entre a floresta e a área já desmatada, em geral ocupada por agropecuária. Soma-se a essa perda, mais 2,6 bilhões de toneladas da perda de carbono pelo processo de desmatamento para o mesmo período.
Cientistas brasileiros, europeus e norte-americanos realizaram o primeiro estudo que integra o efeito de mortalidade das árvores, detectado por meio do escaneamento 3D da floresta, estimando que o efeito da borda da floresta – ou seja, o efeito que o desmatamento traz na alteração da paisagem pelos fragmentos florestais que ficam em contato com outro tipo de uso da terra – foi responsável pela perda de 947 milhões de toneladas de carbono entre 2001 e 2015 na Amazônia. Este valor soma-se a perda de 2,6 bilhões de toneladas perdidas pelo processo de desmatamento para o mesmo período.
Os resultados foram obtidos a partir da análise integrada de dados de escaneamento 3D a laser aerotransportado sobre a floresta amazônica e mapas de 16 anos (2000-2015) da cobertura florestal, que permitiram quantificar a perda de estoques de carbono do bioma Amazônia, pelo desmatamento e pelo efeito de borda.
O estudo intitulado “Persistent collapse of biomass in Amazonian forest edges following deforestation leads to unaccounted carbon losses” (Colapso persistente da biomassa nas bordas florestais amazônicas após o desmatamento leva a perdas de carbono não contabilizadas) foi publicado, hoje (30), na prestigiada revista científica internacional “Science Advances”.
Entre os impactos na floresta, causados pela alteração da cobertura da terra desmatada, estão: maior exposição da floresta a ventos, incidência de radiação solar, aumento de temperatura, diminuição da umidade no interior da floresta, além de acelerar a mortalidade das árvores na borda florestal, diminuindo, assim, a capacidade de estocar carbono nesses trechos da vegetação. Diversos estudos científicos apontam que manter o carbono estocado nas florestas é crucial para evitar o agravamento da crise climática global.
Bordas das florestas são mais suscetíveis ao fogo
A pesquisadora Liana Anderson, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), coautora do estudo, explica que a perda de carbono devido a fragmentação florestal e efeitos de borda não é o único impacto negativo. “As bordas das florestas são mais suscetíveis ao fogo, devido ao aumento do material combustível que se forma a partir da mortalidade das árvores.”, afirma a pesquisadora e complementa: “Além disso, as condições mais secas da vegetação, em relação ao interior da floresta, aumentam o risco de incêndios florestais”. A pesquisadora esclarece que o fogo pode entrar na floresta através dessas bordas e se propagar para o interior, causando a mortalidade de mais árvores, alterando a estrutura e a biodiversidade do local. “A identificação da localização destas bordas e o entendimento da relação destas áreas com o fogo permite que estratégias de prevenção do risco de queimadas e incêndios florestais possam ser concebidas, priorizando áreas e ações mitigatórias”, relata a pesquisadora.
Desafios dos planos de compensação de emissão de gases estufa
Segundo o engenheiro ambiental maranhense Celso Silva Junior, líder do estudo e doutorando do curso de Sensoriamento Remoto no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, comparando com os países vizinhos na Amazônia, enquanto o Brasil teve em média 67% de perdas de carbono por efeito de borda e 79% para as perdas por desmatamento, o Suriname teve apenas 1% e 0,5%, respectivamente. Silva Junior explica que essa perda adicional de carbono por efeito de borda não é considerada nos inventários nacionais de gases do efeito estufa nos países tropicais. “As emissões de carbono são, portanto, subestimadas, comprometendo a eficácia de planos para compensação da emissão desses gases”, comenta o pesquisador.
Na Amazônia Brasileira, os pesquisadores constataram que ocorreu uma notável redução das perdas de carbono devido ao desmatamento entre 2005 e 2015, comparado ao período de 2001-2004. Eles atribuíram à essa redução a criação em 2004 do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) que teve a sua última fase efetiva encerrada em 2015. No entanto, não foi verificada uma redução aparente das perdas de carbono por efeito de borda, considerando os dois períodos analisados (pré e pós-PPCDAM). A contribuição do efeito de borda para o total de perdas de carbono na região amazônica, por exemplo, cresceu de 20% em 2001 para 33% em 2015.
Os autores do estudo argumentam que as emissões associadas à perda de carbono por efeito de borda podem neutralizar parte dos esforços da redução das emissões por desmatamento, conquistadas até 2015. Chamam a atenção para a tendência de aumento do desmatamento observada na Amazônia brasileira desde 2013, que se agravou nos últimos dois anos (2019 e 2020). Os cientistas afirmam que além da perda direta do carbono devido a remoção da cobertura florestal, o desmatamento induz a formação de bordas florestais, devido a fragmentação, aumentando as perdas de carbono, e consequentemente incrementando as emissões para a atmosfera.
Recomendações sobre gestão e planejamento dos recursos naturais
Coautor do estudo, o pesquisador do INPE, Luiz Aragão, líder do Laboratório de Ecossistemas Tropicais e Ciências Ambientais – TREES (https://www.treeslab.org) onde o estudo foi conduzido, conclui que este estudo construiu uma base de conhecimento importante para a gestão dos recursos naturais visando a mitigação das mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável dos países amazônicos. “Conhecer a real dimensão das emissões de dióxido de carbono relacionadas as ações antrópicas na Amazônia é o primeiro passo para elaborarmos estratégias específicas para tratar cada componente responsável por estas emissões, incluindo o desmatamento, o efeito de borda, os incêndios florestais e a extração seletiva de madeira.”, afirma Aragão. Explica que o conhecimento da magnitude dessas emissões, abordadas no artigo, demonstram que qualquer intervenção na floresta não pode ser desordenada. “As intervenções devem ser estratégicas, dentro de um escopo de planejamento do uso da paisagem, visando minimizar a formação das bordas florestais”, conclui o pesquisador.
A publicação do artigo “Persistent collapse of biomass in Amazonian forest edges following deforestation leads to unaccounted carbon losses” na Revista Science Advances pode ser acessado pelo link:
https://advances.sciencemag.org/content/6/40/eaaz8360/tab-pdf
Fonte: Ascom/Cemaden